Líbano: um ano depois, vítimas de crimes de guerra aguardam justiça e reparações

24 Setembro 2025

  • Governo libanês ainda não autorizou jurisdição do Tribunal Penal Internacional (TPI)
  • “Todas as famílias deslocadas têm o direito de regressar a casa. Israel deve permitir imediatamente o regresso em segurança e proceder a reparações” – Kristine Beckerl
  • Reparações devem incluir municípios, escolas, hospitais e outras infraestruturas civis

Um ano após a escalada significativa dos ataques militares israelitas no Líbano, as vítimas de violações do direito internacional ainda aguardam justiça e reparações. O governo libanês ainda não concedeu ao Tribunal Penal Internacional (TPI) jurisdição para realizar investigações no seu território e muitos residentes de cidades e vilas no sul do Líbano ainda não podem retornar ao que resta das suas casas, afirmou a Amnistia Internacional.

A 23 de setembro de 2024, um dos dias mais mortíferos do conflito, as forças israelitas lançaram uma onda de ataques aéreos em todo o Líbano, chamando à operação militar “Northern Arrows” (Flechas do Norte). Nesse dia, pelo menos 558 pessoas, incluindo 50 crianças, foram mortas e outras 1800 ficaram feridas, de acordo com o Ministério da Saúde do Líbano.

O governo libanês ainda não concedeu ao Tribunal Penal Internacional (TPI) jurisdição para realizar investigações no seu território e muitos residentes de cidades e vilas no sul do Líbano ainda não podem retornar ao que resta das suas casas.

Nas semanas e meses seguintes, aldeias inteiras no Líbano foram reduzidas a escombros. Famílias fugiram sob fogo cruzado e ainda não puderam regressar. A Amnistia Internacional documentou a forma como as forças israelitas levaram a cabo ataques ilegais a edifícios residenciais, matando e ferindo civis, e a extensa destruição causada por Israel em aldeias fronteiriças no sul do Líbano. Estes ataques e ações devem ser investigados como crimes de guerra.

Kristine Beckerle, diretora regional adjunta da Amnistia Internacional para o Médio Oriente e Norte de África, afirmou: “Um ano após os civis no Líbano terem começado a pagar um preço cada vez mais alto durante o conflito, com ataques ilegais e mortíferos em todo o país e destruição extensiva ao longo da fronteira, as vítimas de violações do direito internacional humanitário ainda não viram qualquer forma de responsabilização ou reparação”.

A responsável da Amnistia Internacional acrescentou ainda: “Após o cessar-fogo, as forças armadas israelitas não só proibiram as pessoas de dezenas de aldeias de regressarem a casa, como continuaram a danificar e destruir propriedades civis sem necessidade militar imperativa. Todas as famílias deslocadas têm o direito de regressar a casa. Israel deve permitir imediatamente o regresso em segurança e proceder a reparações rápidas, completas e adequadas a todas as vítimas de crimes de guerra e violações do direito internacional humanitário. As reparações, incluindo na forma de compensação, devem estender-se além dos indivíduos para incluir municípios, escolas, hospitais e outras infraestruturas civis, pelos danos causados por condutas ilegais que afetaram as suas instalações.

“Israel deve permitir imediatamente o regresso em segurança e proceder a reparações rápidas, completas e adequadas a todas as vítimas de crimes de guerra e violações do direito internacional humanitário.”

Kristine Beckerle

“Entretanto, o governo libanês deve quebrar o ciclo de inação e procurar justiça para todas as vítimas pelo sofrimento infligido. O governo deve conceder, urgentemente, jurisdição ao TPI para investigar e julgar crimes cometidos no território libanês desde outubro de 2023, nos termos do Estatuto de Roma, incluindo a adesão ao Estatuto de Roma. Ao não aderir ao TPI, o governo libanês está, conscientemente, a bloquear um caminho vital para a justiça internacional. As autoridades também devem recorrer a todas as vias legais disponíveis para proteger o direito das vítimas e das comunidades à reparação, incluindo a colaboração com as Nações Unidas para estabelecer um registo de danos”, defendeu Kristine Beckerle.

“O Líbano deve agir rapidamente para garantir que as vítimas tenham a responsabilização que merecem e países terceiros – especialmente os EUA – devem suspender imediatamente todas as transferências de armas e outras formas de assistência militar a Israel, devido ao risco significativo de que essas armas possam ser usadas para cometer ou facilitar violações graves do direito internacional”, concluiu a diretora.

Contexto

Os combates entre o Hezbollah e Israel intensificaram-se em outubro de 2023. Desde então, a Amnistia Internacional tem relatado o impacto dos combates na população civil, incluindo o uso de fósforo branco pelo exército israelita, explosões em massa indiscriminadas e simultâneas visando dispositivos eletrónicos, ataques a jornalistas, instalações de saúde, ambulâncias e paramédicos, ataques aéreos ilegais contra civis e objetivos civis e a destruição extensiva de aldeias fronteiriças do Líbano, bem como o lançamento repetido de foguetes não guiados pelo Hezbollah para áreas civis povoadas em Israel. A Amnistia Internacional apelou a que a conduta de Israel e do Hezbollah fossem investigadas como crimes de guerra.

Apesar de ter entrado em vigor um acordo de cessar-fogo a 27 de novembro de 2024, as forças armadas israelitas continuaram a lançar ataques aéreos no sul do Líbano, bem como nos subúrbios do sul de Beirute, visando o que descrevem como locais e pessoal militar do Hezbollah. Dois dias após o anúncio do cessar-fogo, as forças armadas israelitas proibiram os residentes de regressarem às aldeias localizadas a sul de uma linha paralela à fronteira sul do Líbano, mas que se estendia de três a onze quilómetros dentro do território libanês, e afirmaram que qualquer pessoa que se deslocasse para sul dessa linha colocava-se em perigo.

Pelo menos 57 civis foram mortos enquanto tentavam chegar às aldeias no sul do Líbano durante os primeiros 60 dias do cessar-fogo, de acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (OHCHR). Em 2025, residentes de algumas das aldeias fronteiriças disseram à Amnistia Internacional que eles próprios e outras pessoas não tinham conseguido regressar a casa, entre outras razões, porque as suas aldeias se situavam na área para a qual as autoridades israelitas tinham proibido os residentes de regressarem e devido aos contínuos ataques de Israel. A 17 de fevereiro de 2025, o porta-voz do exército israelita afirmou que as forças de Israel permaneciam em vários locais “estratégicos” no interior do Líbano.