Investigação: dobrar gelo gera eletricidade. Fenómeno pode explicar origem dos relâmpagos

Embora o gelo comum (gelo hexagonal Ih) não seja piezoelétrico, observou-se que pode gerar carga elétrica quando submetido a esforço mecânico, como em colisões durante tempestades. Este comportamento é atribuído ao efeito flexoelétrico, em que o gelo produz eletricidade ao dobrar-se, de forma semelhante a materiais como o dióxido de titânio usado em sensores e condensadores.


5 pontos de destaque no artigo:

  • Gelo produz eletricidade ao deformar-se.
  • Descobrem flexoeletricidade em temperaturas até 0 °C.
  • Superfície do gelo: ferroeletricidade abaixo de -113 °C.
  • Possível origem física do relâmpago.
  • Implicações tecnológicas emergentes.

Gelo que gera eletricidade

Cientistas do ICN2 descobrem que o gelo gera eletricidade ao dobrar-se: uma pista sobre a origem do relâmpago. O gelo, presente em quase todos os ecossistemas frios do planeta, continua a revelar segredos.

Um estudo internacional com participação do Instituto Catalão de Nanociência e Nanotecnologia (ICN2), da Universidade Jiaotong de Xi’an (China) e da Universidade de Stony Brook (EUA) demonstrou que o gelo é um material flexoelétrico: pode gerar eletricidade quando se deforma de forma não uniforme.

Publicação e implicações científicas

Esta descoberta, publicada na Nature Physics, não só abre novas portas para a tecnologia, como também fornece uma explicação física plausível sobre a origem dos relâmpagos nas tempestades.

A investigação confirmou que o gelo, mesmo em condições próximas de 0 °C, pode responder eletricamente quando dobrado ou tensionado de forma irregular.

Ferroeletricidade em temperaturas extremas

Além disso, a temperaturas extremamente baixas (abaixo de -113 °C ou 160 K), foi detetada uma fina camada ferroelétrica na superfície do gelo.

Esta camada permite uma polarização elétrica reversível, fenómeno comparável à inversão dos polos de um íman. Esta dupla propriedade,  ferroeletricidade em frio extremo e flexoeletricidade a temperaturas mais amenas, torna o gelo um material muito mais complexo e interessante do que se pensava.

Uma nova explicação para os relâmpagos

Um dos aspetos mais notáveis desta investigação é a sua ligação direta com os processos naturais que geram relâmpagos.

Até agora, sabia-se que as tempestades elétricas resultam da acumulação de carga elétrica nas nuvens devido a colisões entre partículas de gelo, mas o mecanismo exato que origina essa carga permanecia um mistério.

O estudo mostra que, ao dobrar-se de forma irregular, o que acontece facilmente nas colisões dentro de uma nuvem, o gelo gera carga elétrica por flexoeletricidade.

No laboratório, os investigadores dobraram uma placa de gelo entre dois elétrodos e mediram a voltagem resultante. Os valores obtidos coincidem com os potenciais elétricos registados em estudos sobre tempestades.

Isto reforça a hipótese de que a flexoeletricidade do gelo pode estar na origem da eletrificação das nuvens, um passo essencial para a formação do relâmpago.

Potencial tecnológico do gelo

Embora possa parecer contraintuitivo, o gelo pode vir a ser usado como material funcional em dispositivos eletrónicos. Especialmente em ambientes frios como regiões polares, zonas de alta montanha ou até em futuras missões espaciais em luas geladas como Europa ou Encélado, onde fabricar materiais tradicionais é inviável.

A flexoeletricidade permite gerar corrente sem necessidade de fontes externas de energia, abrindo possibilidades para o desenvolvimento de sensores autónomos, sistemas de monitorização climática ou detetores sísmicos.

Num contexto de emergência climática, contar com tecnologia de baixo impacto e alimentada por fenómenos naturais representa um avanço estratégico.

Em locais como o Ártico, onde as condições extremas dificultam a manutenção de equipamentos eletrónicos convencionais, dispositivos que utilizem o próprio gelo como componente ativo poderiam facilitar uma monitorização contínua do degelo, das emissões de metano ou da atividade tectónica sob os glaciares.