Do lucro à sustentabilidade: a reinvenção das seguradoras

Os incêndios de agosto de 2025 devastaram várias regiões do interior de Portugal, destruindo ou danificando gravemente centenas de casas e revelando uma realidade cada vez mais difícil de ignorar: muitas famílias em zonas de risco já não conseguem suportar o custo de um seguro. O resultado é uma dupla vulnerabilidade, enfrentar a ameaça física da catástrofe e, simultaneamente, lidar com a dificuldade financeira de proteger o património. Esta fragilidade afeta especialmente famílias de baixos rendimentos, idosos ou residentes em zonas rurais.

Nos últimos anos, várias seguradoras portuguesas têm ajustado prémios e limites de cobertura em áreas mais expostas, como regiões propensas a fogos florestais, cheias ou aluimentos. Em muitas localidades, os clientes enfrentam aumentos substanciais, franquias elevadas ou até exclusões de apólices, aprofundando desigualdades sociais e territoriais. Embora o Estado tenha reagido com apoios extraordinários, como os aprovados em agosto de 2025, estas medidas são pontuais, dependem de fundos públicos e não oferecem uma solução sustentável a longo prazo.

Neste contexto, coloca-se uma questão central: como podem as seguradoras equilibrar viabilidade financeira e responsabilidade social, assumindo um papel ativo na proteção das comunidades? Uma das respostas passa pelo desenvolvimento de apólices escalonadas e microseguros, ajustados à capacidade económica das famílias e ao nível de risco de cada região. Estes produtos garantem uma proteção mínima a preços acessíveis e ajudam a reduzir vulnerabilidades sociais, em linha com o ODS 1 – Erradicação da Pobreza e o ODS 11 – Cidades e Comunidades Sustentáveis.

Outra via é a criação de fundos de risco partilhado em parceria com o Estado, inspirados no modelo espanhol do Consorcio de Compensación de Seguros. Ao repartir responsabilidades entre setor público e privado, estes fundos garantem acesso universal a indemnizações sem sobrecarregar as finanças públicas, reforçando simultaneamente a sustentabilidade do setor. Esta abordagem alia responsabilidade social a inovação institucional, apoiando o ODS 17 – Parcerias e Meios de Implementação.

Também a prevenção e mitigação de riscos devem estar no centro da resposta. Seguradoras podem criar incentivos financeiros para famílias e comunidades que adotem medidas de resiliência, desde a limpeza de matas à instalação de sistemas de alerta ou à construção adaptada a fenómenos extremos. Além de reduzir perdas e prémios, esta estratégia contribui para o ODS 13 – Ação Climática, refletindo um compromisso com a proteção do património natural e humano.

Algumas seguradoras em Portugal já estão a dar passos concretos nesta direção. A Fidelidade inaugurou um centro de estudos dedicado à análise de riscos climáticos e dos seus impactos socioeconómicos, complementado por programas de bolsas de investigação em prevenção e adaptação. Paralelamente, desenvolveu ferramentas digitais que emitem alertas sobre incêndios ou inundações, fornecendo orientações práticas para clientes e mediadores. Ao apostar na prevenção e na literacia em seguros, a empresa atua diretamente nos ODS 4 – Educação de Qualidade e ODS 13 – Ação Climática.

Já a MDS Portugal tem vindo a explorar os seguros paramétricos, que acionam pagamentos automáticos sempre que índices climáticos ultrapassam determinados limiares. Ao dispensar a prova de prejuízo material, este modelo garante rapidez e transparência em eventos como incêndios, secas ou ondas de calor, representando um exemplo claro de inovação responsável em linha com os ODS 9 – Indústria, Inovação e Infraestrutura e ODS 13 – Ação Climática.

A digitalização, através de satélites, inteligência artificial e sensores IoT, pode ainda tornar a avaliação de risco mais precisa, evitando penalizações indiscriminadas a comunidades inteiras. Em paralelo, campanhas de educação financeira podem capacitar famílias para compreender melhor opções de cobertura e medidas preventivas, reforçando a resiliência social e apoiando o ODS 4.

Os incêndios de agosto de 2025 mostraram que o papel das seguradoras vai muito além da simples cobertura financeira. Ao inovar em produtos, estabelecer parcerias estratégicas, incentivar a prevenção, investir em tecnologia e apostar na literacia, o setor pode transformar os riscos climáticos em oportunidades de negócio responsável. Exemplos como os da Fidelidade e da MDS Portugal demonstram que o caminho já começou. O grande desafio, agora, é escalar estas soluções e consolidar o setor segurador como aliado central na construção de uma sociedade mais resiliente e sustentável.