Deslocação em massa de Gaza é ilegal e desumana

“Para as centenas de milhares de palestinianos na cidade de Gaza que, de há quase dois anos a esta parte, vêm suportando bombardeamentos implacáveis enquanto passam fome e vivem amontoados em campos improvisados ou refugiam-se em edifícios sobrelotados, esta é uma repetição devastadora e desumana da ordem de deslocação em massa emitida para toda a zona norte de Gaza, a 13 de outubro de 2023”.

“A ordem emitida pelas forças armadas israelitas para a deslocação em massa dos residentes da cidade de Gaza é cruel, ilegal e agrava ainda mais as condições genocidas de vida que Israel está a infligir aos palestinianos”

Heba Morayef

A Amnistia Internacional afirmou repetida e inequivocamente que a deslocação forçada de palestinianos dentro da Faixa de Gaza ou a sua deportação violam o direito internacional humanitário e constituem crimes de guerra e crimes contra a Humanidade. A organização recolheu testemunhos arrepiantes de residentes e profissionais de saúde após a emissão da ordem. Alguns tentavam já fugir para sul desde que Israel começou a bombardear edifícios altos, na sexta-feira passada, mas não conseguiram fazê-lo porque não têm meios para pagar os custos de transporte ou porque a pequena área designada por Israel para a evacuação não é adequada para habitação.

Um profissional de saúde que trata crianças com desnutrição disse à Amnistia Internacional: “Não quero deixar os meus pacientes, as crianças cujos corpos são frágeis demais para lidar com mais uma deslocação, mas não sei o que fazer. É como ter de escolher entre duas mortes: a morte por bombardeamento ou a morte lenta da deslocação, sem saber para onde ir. Já fui deslocado 15 vezes, não consegui dormir nas últimas noites por causa dos bombardeamentos intensos nas proximidades, e ainda estamos a tentar ir trabalhar para tratar as crianças, mas estamos exaustos”.

“Já fui deslocado 15 vezes, não consegui dormir nas últimas noites por causa dos bombardeamentos intensos nas proximidades, e ainda estamos a tentar ir trabalhar para tratar as crianças, mas estamos exaustos”

Profissional de saúde

Uma mulher idosa com deficiência que está alojada num campo improvisado para pessoas deslocadas internamente em Tal al-Hawa, no sul da cidade de Gaza, relatou à Amnistia Internacional: “Fomos deslocados de Sheikh Radwan há três semanas, o meu filho teve de me carregar nos ombros porque não tenho cadeira de rodas e nenhum transporte conseguia chegar à nossa zona. Agora, mandaram-nos evacuar novamente. Para onde vamos? Para garantir transporte para o sul, é preciso pagar cerca de 4.000 shekels [1.000 euros], e para comprar uma tenda, é preciso pagar, pelo menos, 3.000 shekels [800 euros], e não sabemos se encontraremos algum terreno para montar a nossa tenda. Já gastámos todas as nossas economias para sobreviver a esta guerra, procurando comida e bens de primeira necessidade. Todos os dias, é como se a guerra estivesse a começar de novo, só que muito pior, mas estamos totalmente exaustos, sem vontade nem forças para continuar”.

Uma avó que cuida da sua neta de oito anos, ferida, cujos pais foram mortos num ataque aéreo em maio passado, disse: “Ela é tudo o que me resta, e tentei tudo o que pude para a proteger. Fomos deslocados duas vezes só na última semana. Não temos meios para ir para o sul e estamos cansados de ser forçados a viver esta provação novamente”.