China enfrenta crise solar e planeia fechar fábricas para salvar indústria

China domina a produção mundial de energia solar, responsável por quase 90% das células solares do planeta. Mas tal domínio trouxe um problema grave: excesso de oferta, preços em queda e perdas bilionárias. Agora, Pequim prepara um “reset” da indústria para estabilizar o setor e proteger a sua liderança.

Imagem fábricas de painéis solares na China


China: produção em excesso e queda de preços

Entre 2020 e 2023, Pequim direcionou recursos do setor imobiliário para as “três novas indústrias de crescimento”: painéis solares, carros elétricos e baterias.

O resultado foi uma produção sem precedentes: em 2024, o país fabricou 588 GW de células solares, mais do que o dobro da procura mundial de 451 GW, segundo pode se l ido no Financial Times.

Os preços desabaram, com empresas vendendo abaixo do custo, gerando perdas superiores a 60 mil milhões de dólares (cerca de 55,5 mil milhões de euros). O polisilício, matéria-prima essencial, caiu para cerca de 50 yuan por quilo.

As cinco maiores empresas fotovoltaicas reduziram 31% das suas equipas, cerca de 87.000 despedimentos.

Fracasso da autorregulação e intervenção estatal

Tentativas de limitar a produção, como o pacto de “autodisciplina” de 2024, falharam.

O Governo da China decidiu intervir com um fundo de pelo menos 50.000 milhões de yuanes (cerca de 6,9 mil milhões de euros) para adquirir e encerrar capacidade de produção de polisilício, buscando estabilizar preços.

Empresas como Daqo New Energy e GCL Technology anunciaram cortes parciais de capacidade, enquanto o Ministério da Indústria exigiu encerramentos de fábricas subutilizadas e reforçou exigências ambientais.

Impacto económico, político e tecnológico

O ajuste solar tem dimensão económica, política e geoestratégica. Exportações baratas tensionaram relações com Estados Unidos e Europa, enquanto Pequim mantém vendas a países em desenvolvimento via iniciativa da Franja e Rota.

Apesar das perdas, as seis maiores empresas investiram 3.400 milhões de yuanes (cerca de 470 milhões de euros) em I&D no primeiro semestre de 2025, elevando a eficiência das células solares de 20% para 30%.

O dilema da hegemonia

Analistas apontam que seria necessário reduzir entre 20% e 30% da capacidade para restaurar a rentabilidade, um ajuste complicado pelos interesses provinciais em emprego e investimento local.

A receita que construiu a hegemonia, produção em massa e preços baixos, ameaça agora destruí-la. Pequim enfrenta a decisão de permitir que a ultracompetição fragilize os campeões ou aceitar um ajuste doloroso para preservar o setor.

A economista Alicia García-Herrero alerta:

Em nenhum outro setor dominam mais do que neste.

É por isso que Pequim parece disposto a resetear o seu sol, mesmo que seja doloroso, para evitar que a maior história de sucesso do país se torne vítima do próprio excesso.