Quando uma patente expira, o mercado farmacêutico entra em ebulição. E nunca tanto como agora, com o Ozempic (semaglutida) da dinamarquesa Novo Nordisk, o medicamento mais lucrativo do mundo e símbolo da revolução no tratamento da diabetes tipo 2 e da obesidade.
O “Erro Canadiano”
Em julho de 2025, o mercado foi surpreendido com a notícia de que a Novo Nordisk tinha perdido a patente do Ozempic no Canadá. O motivo? A falta de pagamento de uma taxa de manutenção irrisória, de apenas 450 dólares (cerca de 384 euros), em 2019, que teria garantido mais dois anos de exclusividade.
Sem uma explicação clara por parte da empresa, multiplicaram-se as especulações: falha administrativa, cálculo estratégico ou simples negligência?
A situação ganhou dimensão global quando o influente Derek Lowe, diretor de Biologia Química e Terapêuticas da Novartis e autor do prestigiado blogue In the Pipeline (publicado na revista Science), apelidou o caso de “Erro Canadiano”, expressão que rapidamente entrou no vocabulário do setor.
A polémica adensou-se quando Richard Saynor, CEO da Sandoz, afirmou em entrevista que a Novo Nordisk nunca tinha sequer requerido a patente no Canadá. Lowe acabou por desmentir esta versão, apresentando documentos oficiais que comprovavam o pedido e revelavam o motivo do indeferimento: o não pagamento das taxas anuais desde 2018.
Sem um posicionamento firme da farmacêutica dinamarquesa, o episódio deixou no ar dúvidas sobre a transparência da sua atuação.

A par desta situação, a Novo Nordisk vai cortar 9 mil empregos e reduzir custos em 1,25 mil milhões de dólares por ano após queda de 46% nas ações e pressão da concorrência da Eli Lilly.
Um tabuleiro global de interesses
A disputa não se limita a rivalidades pontuais. Novo Nordisk, Novartis e Sandoz são players que frequentemente se encontram, muitas vezes em lados opostos, nos tribunais internacionais. No caso canadiano, a perda da patente abriu caminho à entrada de genéricos, com a Sandoz posicionada para aproveitar a oportunidade – ironicamente, até 2023, ainda era uma divisão da própria Novartis.
Nos Estados Unidos, onde a patente só expira em 2032, a pressão política e social sobre a Novo Nordisk é crescente. O antigo CEO da empresa chegou a ser chamado ao Congresso para justificar os preços elevados praticados no país. Perante esta instabilidade, o mercado canadiano de genéricos pode ganhar terreno, já que os preços no Canadá chegam a ser 70% mais baixos, atraindo potenciais compradores norte-americanos.

Ozempic, o fármaco mais lucrativo do mundo. Em 2024 gerou quase 16 mil milhões de euros em receitas e domina cerca de 60% do mercado de semaglutida. Criado para tratar a diabetes tipo 2, tornou-se também símbolo da luta contra a obesidade. O consumo cresce sobretudo na América do Norte, mas a China prepara dezenas de alternativas e já consegue produzir a molécula a cêntimos. Até 2035, o mercado poderá ultrapassar os 86 mil milhões de euros.
O peso da China e a próxima batalha
Outro grande protagonista desta guerra é a China, onde a patente da semaglutida expira em 2026. O país já consegue produzir o composto em pó a apenas 7 cêntimos de dólar e conduz testes com 60 novas moléculas concorrentes do Ozempic. O impacto é visível: em apenas seis meses, farmácias de manipulação nos EUA receberam matéria-prima suficiente para fabricar 1,5 mil milhões de doses de Wegovy, outro medicamento da Novo Nordisk.
Para travar esta expansão, a farmacêutica dinamarquesa recorreu aos tribunais, alegando riscos para a saúde pública, e conseguiu proibir a manipulação de semaglutida em território americano. Contudo, o contragolpe já está a ser preparado: oito companhias chinesas planeiam lançar versões genéricas do Ozempic diretamente no mercado dos EUA, o que promete aumentar a concorrência e reduzir os preços de forma significativa.
A guerra do Ozempic não é apenas uma disputa por patentes: é um reflexo da fragilidade de um modelo de negócio altamente dependente da exclusividade legal e um exemplo de como ciência, política e economia se entrelaçam quando o que está em causa é um medicamento que vale milhares de milhões.