Intervenção de hacker expõe registos do acidente fatal com Autopilot da Tesla

A intervenção de um hacker independente num processo judicial contra a Tesla não só expôs dados cruciais de um acidente fatal, como também estabeleceu um novo precedente legal sobre a responsabilidade da empresa na gestão da sua tecnologia. O caso revelou as dificuldades em aceder a registos digitais e a forma como a informação pode ser determinante em tribunal.


Um acidente fatal e o mistério dos dados perdidos

Na noite de 25 de abril de 2019, em Key Largo, Flórida, um veículo Tesla atropelou Naibel Benavides Leon, de 22 anos, e o seu namorado, resultando numa vítima mortal e em ferimentos graves. Para compreender a dinâmica do acidente, as autoridades e os advogados perceberam rapidamente que seria essencial aceder ao “collision snapshot”: um registo eletrónico detalhado do momento da colisão, armazenado no computador do Autopilot.

Documentos judiciais revelaram um protocolo peculiar da Tesla: após o acidente, os dados cruciais foram enviados automaticamente para os servidores da empresa, que confirmaram a sua receção. Contudo, a cópia local guardada no veículo foi imediatamente marcada para ser eliminada.

Esta prática tornou a recuperação dos dados um desafio monumental. Durante meses, tanto as autoridades da Flórida como a equipa legal da acusação tentaram, sem sucesso, aceder a esta informação.

Num centro de serviço da Tesla, um técnico focou-se na unidade de navegação em vez do computador do Autopilot, fornecendo aos investigadores ficheiros que descreveu como “corrompidos”, antes mesmo de qualquer análise aprofundada.

Especialistas e testemunhas internas da Tesla alertaram que ligar a unidade do Autopilot poderia desencadear atualizações de software que apagariam permanentemente as provas armazenadas.

A intervenção decisiva do hacker “greentheonly”

Perante os obstáculos técnicos e com o processo judicial a aproximar-se, a acusação recorreu a um hacker conhecido pelo pseudónimo “greentheonly”, um especialista em engenharia reversa dos sistemas de assistência à condução da Tesla. O hacker foi perentório no seu aviso à equipa legal: ligar as unidades de forma convencional seria um erro fatal.

É exatamente o conselho que eu daria se quisesse destruir provas.

Afirmou em tribunal.

A equipa da acusação conseguiu recuperar o hardware original junto da Patrulha Rodoviária da Flórida, permitindo que o hacker o analisasse sob condições controladas. A partir de uma cópia forense do conteúdo da unidade do Autopilot, e trabalhando num café em Miami, o especialista localizou os dados da colisão em poucos minutos.

A informação, embora marcada para eliminação, nunca tinha sido completamente apagada. A descoberta não só provou que o sistema tinha registado os peões momentos antes do impacto, como também confirmou que a Tesla tinha recebido o registo quase instantaneamente após o acidente.

Com base nestes dados, foi criada uma reconstrução em vídeo que mostrava exatamente o que o veículo “viu” nos segundos que antecederam a colisão, incluindo a deteção dos peões a distâncias precisas.

Setup do hacker “greentheonly”

A condenação da Tesla

Em tribunal, as provas técnicas foram centrais. O advogado da Tesla, Joel Smith, descreveu a gestão dos dados pela empresa como “desajeitada”, mas negou qualquer intenção de ocultar informação.

Pensávamos que não tínhamos os dados, e depois descobrimos que tínhamos.

Comentou. A defesa da Tesla argumentou que o acidente foi causado por um “condutor distraído” e não por uma falha tecnológica, insistindo que os seus sistemas servem como um auxílio e não substituem a supervisão humana.

No entanto, os advogados da acusação interpretaram os eventos de outra forma. Brett Schreiber, o advogado principal, argumentou que a incapacidade da Tesla em fornecer dados tão cruciais sugeria mais do que um simples erro, apontando para falhas sistémicas tanto na tecnologia como na transparência corporativa.

Schreiber acusou a empresa de “enganar os investigadores” durante anos, uma vez que os seus sistemas internos possuíam o registo eletrónico desde o momento do acidente.

O júri considerou a Tesla 33% responsável pelo acidente e determinou o pagamento de uma indemnização de 243 milhões de dólares. A juíza federal Beth Bloom não encontrou provas de que a Tesla tenha ocultado dados intencionalmente, mas condenou a empresa a cobrir os custos de recuperação da informação devido à dificuldade desnecessária que o processo envolveu.

O próprio “greentheonly”, cuja intervenção foi fundamental para este resultado, alerta que a Tesla reforçou a segurança digital dos seus sistemas, tornando o acesso a estes dados muito mais complicado.

Se um acidente como este acontecesse hoje, eu já não conseguiria extrair os dados.

Admitiu o hacker.

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